As opiniões se dividiram sobre a versão do Estatuto da Igualdade Racial aprovada na semana passada numa comissão especial da Câmara dos Deputados. O projeto, que seguirá diretamente para o Senado, sem passar pelo plenário da Casa, tramita há uma década no Congresso. Os defensores do texto original da proposta de 72 artigos, que previa a regularização de terras para remanescentes de quilombos e a criação de cotas de 20% para negros em filmes e programas de TV, entendem que a supressão desses dois pontos, mediante acordo, produziu um "Estatuto desidratado", como disse o deputado Damião Feliciano (PDT-PB). Já o principal articulador das modificações afinal aprovadas, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), considera que "saiu o germe da racialização".Naturalmente, tudo será sempre pouco para os que, em nome da correção de iniquidades históricas, almejam dividir em duas a sociedade brasileira - usando como divisor o termo "raça", que não significa rigorosamente nada do ponto de vista científico. Mas eles têm mais motivos de regozijo com o resultado a que se chegou do que aqueles que se preocupam com os efeitos perversos de iniciativas do gênero para a coesão da sociedade nacional. O germe da racialização, na realidade, ficou. "Esse Estatuto não é um ponto de chegada", constatou o relator da matéria na comissão, Antônio Roberto (PV-MG). "É um ponto de partida." O essencial, para os racialistas, é instituir, embora gradativamente, o princípio nefasto das cotas raciais. Pode não parecer importante, mas eles ganharam terreno enfiando no Estatuto a exigência de que as chapas partidárias para as câmaras legislativas contenham pelo menos 10% de candidatos autodeclarados negros. Enquanto isso, aguarda deliberação do Senado a proposta vinda da Câmara que reserva 50% das vagas nas universidades públicas para candidatos egressos do sistema oficial de ensino, com o estabelecimento, nessa parcela, de subcotas para alunos negros e índios, na proporção das respectivas populações em cada Estado - o que consegue tornar abstrusa uma ideia já de si reprovável. "Vamos concentrar nossas energias na aprovação da lei das cotas", anuncia o diretor-geral do movimento Educafro, frei David dos Santos.Melhor fariam esses ativistas se concentrassem as suas energias em promover a qualidade da educação pública brasileira. Os pobres - e, portanto, os negros que representam a sua maioria - enfrentam reconhecidas dificuldades de acesso ao ensino superior, sobretudo nos cursos mais concorridos, não devido à cor de sua pele, mas ao fato de em geral só poderem frequentar escolas gratuitas de primeiro e segundo graus que lhes transmitem, quando muito, uma fração das aptidões necessárias para a superação da barreira dos vestibulares. A adoção de cotas raciais para contornar essa restrição estrutural, que perpetua a crônica desigualdade de oportunidades de ascensão socioeconômica pela via do conhecimento, é um falso atalho. Tais políticas conduzem a um beco sem saída - e nesse sentido devem ser denunciadas, mesmo que, por hipótese, não contivessem o vício insanável do chamado racismo reverso. Ao tratar brasileiros negros como se fossem negros brasileiros, as cotas conseguem a negativa proeza de criar um problema que não existe - o de apartar legalmente os cidadãos conforme a sua etnia - e de não contribuir para a solução de um problema demasiado real e clamoroso. Políticas de ação afirmativa precisam ser deliberadamente daltônicas para produzir resultados, sem efeitos colaterais socialmente nocivos. É o caso do Inclusp, o programa da Universidade de São Paulo que dá aos vestibulandos procedentes de escolas públicas um bônus de 3% nas notas obtidas nas duas fases do exame de seleção.As cotas são uma "ideia reacionária", critica o coordenador nacional do Movimento Negro Socialista, José Carlos Miranda, membro do PT. Ele condena o racialismo não apenas na universidade, mas também no trabalho. O Estatuto prevê a eventualidade de incentivos fiscais para empresas com mais de 20 funcionários, se 1/5 deles, no mínimo, for negro. "Daqui a pouco, teremos sindicatos só de brancos e sindicatos só de negros", imagina Miranda, "o que contraria tudo o que foi feito até hoje no Brasil para unir a população."
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
A ameaça do racialismo
As opiniões se dividiram sobre a versão do Estatuto da Igualdade Racial aprovada na semana passada numa comissão especial da Câmara dos Deputados. O projeto, que seguirá diretamente para o Senado, sem passar pelo plenário da Casa, tramita há uma década no Congresso. Os defensores do texto original da proposta de 72 artigos, que previa a regularização de terras para remanescentes de quilombos e a criação de cotas de 20% para negros em filmes e programas de TV, entendem que a supressão desses dois pontos, mediante acordo, produziu um "Estatuto desidratado", como disse o deputado Damião Feliciano (PDT-PB). Já o principal articulador das modificações afinal aprovadas, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), considera que "saiu o germe da racialização".Naturalmente, tudo será sempre pouco para os que, em nome da correção de iniquidades históricas, almejam dividir em duas a sociedade brasileira - usando como divisor o termo "raça", que não significa rigorosamente nada do ponto de vista científico. Mas eles têm mais motivos de regozijo com o resultado a que se chegou do que aqueles que se preocupam com os efeitos perversos de iniciativas do gênero para a coesão da sociedade nacional. O germe da racialização, na realidade, ficou. "Esse Estatuto não é um ponto de chegada", constatou o relator da matéria na comissão, Antônio Roberto (PV-MG). "É um ponto de partida." O essencial, para os racialistas, é instituir, embora gradativamente, o princípio nefasto das cotas raciais. Pode não parecer importante, mas eles ganharam terreno enfiando no Estatuto a exigência de que as chapas partidárias para as câmaras legislativas contenham pelo menos 10% de candidatos autodeclarados negros. Enquanto isso, aguarda deliberação do Senado a proposta vinda da Câmara que reserva 50% das vagas nas universidades públicas para candidatos egressos do sistema oficial de ensino, com o estabelecimento, nessa parcela, de subcotas para alunos negros e índios, na proporção das respectivas populações em cada Estado - o que consegue tornar abstrusa uma ideia já de si reprovável. "Vamos concentrar nossas energias na aprovação da lei das cotas", anuncia o diretor-geral do movimento Educafro, frei David dos Santos.Melhor fariam esses ativistas se concentrassem as suas energias em promover a qualidade da educação pública brasileira. Os pobres - e, portanto, os negros que representam a sua maioria - enfrentam reconhecidas dificuldades de acesso ao ensino superior, sobretudo nos cursos mais concorridos, não devido à cor de sua pele, mas ao fato de em geral só poderem frequentar escolas gratuitas de primeiro e segundo graus que lhes transmitem, quando muito, uma fração das aptidões necessárias para a superação da barreira dos vestibulares. A adoção de cotas raciais para contornar essa restrição estrutural, que perpetua a crônica desigualdade de oportunidades de ascensão socioeconômica pela via do conhecimento, é um falso atalho. Tais políticas conduzem a um beco sem saída - e nesse sentido devem ser denunciadas, mesmo que, por hipótese, não contivessem o vício insanável do chamado racismo reverso. Ao tratar brasileiros negros como se fossem negros brasileiros, as cotas conseguem a negativa proeza de criar um problema que não existe - o de apartar legalmente os cidadãos conforme a sua etnia - e de não contribuir para a solução de um problema demasiado real e clamoroso. Políticas de ação afirmativa precisam ser deliberadamente daltônicas para produzir resultados, sem efeitos colaterais socialmente nocivos. É o caso do Inclusp, o programa da Universidade de São Paulo que dá aos vestibulandos procedentes de escolas públicas um bônus de 3% nas notas obtidas nas duas fases do exame de seleção.As cotas são uma "ideia reacionária", critica o coordenador nacional do Movimento Negro Socialista, José Carlos Miranda, membro do PT. Ele condena o racialismo não apenas na universidade, mas também no trabalho. O Estatuto prevê a eventualidade de incentivos fiscais para empresas com mais de 20 funcionários, se 1/5 deles, no mínimo, for negro. "Daqui a pouco, teremos sindicatos só de brancos e sindicatos só de negros", imagina Miranda, "o que contraria tudo o que foi feito até hoje no Brasil para unir a população."
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Gostaria se saber a opinião desse grupo sobre o texto. Vcs concordam? Foi o que me pareceu.Nenhuma opinião de vcz tá no txto.
O texto foi postado no intuito de provocar questionamentos acerca da aprovação do estatuto da igualdade racial sem os pontos que "mexem" tanto com a questão da representatividade da população negra e conseqüentemente afirmação de sua identidade, que é constantemente negada em prol do mito da democracia racial na sociedade brasileira.
O grupo de maneira alguma é favorável à idéia disseminada no texto. Somos estudantes negras da Ufba que cansadas da sutileza do racismo à brasileira se uniram para discutir a questão de raça e gênero e promover ações em consonância com essas temáticas.
O racialismo que tanto “essas pessoas” tem medo, é realidade em nossas vidas a muito tempo. Somos excluíd@s de todos os espaços de poder, fomos “jogad@s” nas periferias! Dizem a todo tempo o “lugar” que devemos ocupar, a forma que devemos agir. E a qualquer revide nosso (desde noss@s antepassados) por questionar uma realidade que não é natural, eles inventam entraves para barrar noss@s avanços.
Seu questionamento foi pertinente, para q possamos ficar atentas as postagens para q elas não pareçam ambíguas.
Para vc fica o convite de sempre está visitando o blog e compartilhando suas opiniões.
Postar um comentário