sábado, 15 de agosto de 2009

O DESNUDE FEMININO

Luanda

Analisando o contexto cultural envolvido e considerando a origem do livro “A Mulher Nua” (Inglaterra), Morris estabelece padrões estéticos a partir de suas vivências culturais onde, como em toda sociedade ocidental moderna, o padrão de beleza estabelecido é caucasiano. Dessa forma, é descartado (mesmo se partisse da preferência individual do autor) o postulado da unicidade do sujeito, pois o autor é visivelmente influenciado por um discurso de caráter ideológico na qual se contextualiza a sua obra.

O texto “Design Perfeito” tem como temática a evolução do ser feminino, tomando como base os estudos científicos do zoólogo inglês Desmond Morris. No transcorrer da reportagem, na qual está pautada a teoria da evolução feminina proposta pelo zoólogo, são apresentados alguns argumentos que procuram dar respaldo à teoria em questão.

Tomando como base a tese do zoólogo inglês Desmond Morris, de que a neotenia (manutenção de características infantis na idade adulta) seria um dos processos responsáveis pela evolução da espécie humana, o autor classifica a mulher como o animal mais fantástico do planeta, visto que para ele a fêmea é o ser com mais características infantis depois de adulta (já que a necessidade da proteção do macho fez a mesma desenvolver tais peculiaridades).

A neotenia, além de representar o baluarte da teoria evolucionária proposta pelo zoólogo, atua como elemento de segregação entre homens e mulheres, uma vez que, nos primeiros, as características de criança estariam atreladas ao comportamento, manifestando-se através da atividade intelectual que Nogueira chama de “risco da brincadeira”. Já nas fêmeas, os traços infantis se expressariam no corpo adulto. Essa distinção mantém relação com a dicotomia corpo e mente, como se a possibilidade do desenvolvimento de um anulasse o outro e vice-versa.

O sujeito do enunciado inicia o texto com a seguinte afirmação: “O inglês Desmond Morris trata as mulheres como animais”. Sendo que, logo em seguida, esclarece que o motivo dessa afirmação deve-se ao fato de Morris ser um zoólogo. O dispositivo de enunciação coloca o enunciador1 enquanto sujeito que se ofende diante do comentário preconceituoso, lugar no qual o coemissor também se reconhece. Entretanto, para justificar o motivo que o levou a tal afirmação, o próprio emissor deixa transparecer seu conhecimento da reação do coenunciador (leitor) diante da enunciação que coloca a mulher como sendo um animal, o qual, no senso comum, está associado à estupidez e irracionalidade.

Para justificar o referido enunciado, (o da mulher como animal) o autor esclarece que se trata de uma visão científica na qual a mulher é estudada como “mais uma espécie” (Nogueira, 2005:46). Todavia, o emissor afirma mais abaixo que a mulher para Morris, não é “... mais uma espécie” e sim “o mais extraordinário organismo existente no planeta” (Morris apud Nogueira, 2005:46), contrariando sua fala anterior, e revelando, dessa forma, a presença de mais de um enunciador no discurso (daí a necessidade de explicitar o enunciador 1 e o enunciador2). Entretanto, é necessário destacar que os enunciadores 1 e 2 não significam necessariamente Morris ou Nogueira, e sim ordens de discurso construídas socialmente, como veremos mais adiante através de exemplos.

Verifica-se no decorrer do texto, a presença de heterogeneidade mostrada, quando o emissor remete-se pragmaticamente, através de citações e referências, ao livro “A mulher nua” de Desmond Morris.

Em determinado trecho, apesar de afirmar que o corpo feminino é resultado de uma cadeia evolutiva que o moldou, o sujeito da enunciação reforça todo um pensamento social e cultural que coloca o macho como colonizador que explora a fêmea (colônia). O imperativo “... vire a página para explorar cada pedacinho da mulher nua” (Nogueira, 2005:46), denota todo o escárnio machista do enunciador2, tal como desenvolve uma direta identificação com o coenunciador (leitor) que se coloca no papel de explorador da mulher nua. Para tanto, o texto é dividido em partes “fundamentais” do desenvolvimento feminino: cabelos, nariz, bochechas, lábios, pescoço, mãos, seios, cintura, quadris, pêlos púbicos, genitais, bunda, pernas e pés.

O emissor ainda formula, a partir da fala de Morris, a superioridade do sexo feminino em relação aos machos, tese que é desmentida tacitamente por um segundo enunciador que está presente ao longo texto. Ao fazer a descrição detalhada do corpo feminino, o enunciador2 reforça suas concepções machistas ao construir a imagem de uma mulher indefesa e carente da proteção masculina: “Se a mulher nunca chega a ter um rosto peludo é para manter a aparência de criança que precisa de proteção” (Nogueira, 2005:47).

Ao distinguir os lábios femininos dos masculinos, o mesmo deixa transparecer a idéia de que os lábios femininos, sempre carnudos e macios, foram feitos para serem beijados.

O segundo enunciador ainda age de modo racista, ao enfatizar a inferioridade das morenas e ruivas na relação entre feminilidade e cabelos. Adotando a máxima de que, os cabelos mais finos, são mais femininos, o enunciador2 afirma que as loiras, por possuírem os fios de cabelo menos densos seriam mais femininas que as morenas e ruivas.

Diante de tais evidências, fica clara a presença de dois enunciadores no texto, um primeiro que sublima o ser feminino; e o segundo responsável pela reprodução de modo irônico de um pensamento machista, que tenta verificar mediante a visão científica a posição subalterna da mulher desde o mundo primitivo.

Em uma sociedade onde o discurso ideológico baseado em relações de poder destaca-se, o texto “Design Perfeito” de Marcos Nogueira (embasado na análise de Desmond Morris) surge para reforçar uma ideologia milenar presente em diversas culturas: o machismo. O poder do homem sobre a mulher é disfarçado numa tese que defende de forma irônica os atributos físicos femininos como conseqüências de uma evolução biológica.

Durante o texto, o jornalista ao expor a figura feminina através da fragmentação das partes de seu corpo para construção da imagem da mulher subserviente ao padrão existente de dominação masculina, utiliza-se de frases estratégicas do escritor para confirmar e expor a própria ideologia. Como exemplo, há o trecho: “(...) nesse sentido as loiras são mais femininas”(Morris apud Nogueira, 2005:48); segundo ele, daí vem o costume feminino de tinturar os cabelos, iniciando dessa forma o que defende ao longo de todo o texto, que é a idéia de que a razão de toda e qualquer ação feminina é o homem. Além disso, converte as próprias características culturais e raciais de consumo – como o “tinturar dos cabelos” – em dado biologicamente (ou melhor, zoologicamente) sustentado.

Partindo da falsa noção de neutralidade das ciências positivas, o texto não deveria apresentar ideologias. Entretanto, os enunciadores alternam entre o ideológico e o científico, a exemplo da falta de comprovação concreta apresentada durante todo o escrito e que se evidencia abaixo:

“... não é preciso dizer o quanto essas qualidades agradam ao homem. Não se sabe ao certo por que, mas Morris levanta uma hipótese: como nossos ancestrais...”(Nogueira, 2005:50)

Dessa maneira, fica evidente a relação entre poder e discurso, uma vez que a fala do zoólogo é legitimado pelo pensamento que norteia o contexto da sociedade moderna: o discurso “científico”.


NOTA:

Na época da análise, utilizei como referência a versão impressa da revista. Entretanto, a mesma encontra-se disponível na web pelo site http://super.abril.com.br/ciencia/design-perfeito-445760.shtml


REFERÊNCIAS:

1MORRIS, Desmond. A mulher nua: um estudo do corpo feminino. Rio de Janeiro: Globo, 2005.

NOGUEIRA, Marcos. Design perfeito. Superinteressante, São Paulo: Abril, No 215, p. 46-50, jul. 2005.

MAINGUENEAU, Dominique. Enunciado e contexto. IN: Análise de textos de comunicação.São Paulo: Cortez, 2002. p.19-29.

PINTO, Milton José. Uma agenda para análise de discursos. IN: Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker, 2002.

____________As virtudes explicativas da narrativa midiática. Idem.

SCALETSKY, Eduardo Carnos , OLIVEIRA, Ana Lúcia Valença de Santa Cruz. Iniciando na pesquisa. 3. ed. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural, 2002.

MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica. 4 .ed. São Paulo: Atlas, 2000.

4 comentários:

Rebeca Brito disse...

Oi Pérolas!! Parabéns pelo texto Lu. Achei a análise excelente. Me lembrou muito a questão de nós mulheres negras na universidade...

Anônimo disse...

A leitura do texto ficou compretida, pois não há como terminar as frases.

Anônimo disse...

Lindaluanda, você é uma pérola mesmo!!!!!!!! E saiba não digo isto somente em razão do texto.

Anônimo disse...

Lindaluanda, você é uma pérola mesmo!!!!!!!! E saiba que não digo isto somente em razão do texto.